Era o médico:
- Mandas-me esse doente e eu pago-te 10%.
Era a criança de rua para um candidato a criança de rua:
- Deixo-te guardar carros na minha área e dás-me 10 por cento.
Era o chefe:
- Deixo a vossa empresa ganhar o concurso e vocês retribuem com 10 por cento.
Era o polícia:
- Estou a telefonar para lembrar aquela multa que perdoei... recorde-se do combinado.
Era o director:
- Coloquei-te no projecto como técnico... já sabes, não é?
Era o outro chefe em sussurro para o empresário estrangeiro:
- Podem investir no nosso país mas... há comissões, é normal...
Tudo parecia correr bem, no país dos dez por cento. Na aparência, pelo menos... As pessoas trabalhavam a dez por cento, sonhavam nessa percentagem, viviam nessa escassa perspectiva. Tudo a dez por cento.
Mesmo a esperança a ser investida no futuro ocupava apenas uma fracção do coração.
Certo dia, porém, alguém pensou tomar uma iniciativa a 100 por cento. Meu dito, meu feito. O homem arregaçou as mangas e trabalhou. E logo os amigos, familiares e colegas desataram a rir. Que o esforço seria em vão. Porque, nesse país, o construir era entendido como "comer". E ninguém pode "comer" sozinho. Viria o fiscal e pediria 10 por cento. Viria o camarário e pediria 10% para as licenças. Viria o ministerial e exigiria 10 por cento. Ou mais.
No final, ele acabaria por ficar com menos de 10 por cento das ideias, e do esforço aplicado resultaria quase nada. Que no país dos dez por cento o melhor é não fazer. O melhor é não construir, nem trabalhar. O que é bom e saudável é parasitar os que querem fazer. Sobretudo, os que querem fazer a cem por cento.
E assim, embora aparentando toda a normalidade, o país a dez por cento padecia de uma doença fatal.
O problema é que um país a dez por cento só pode ser dez por cento país!»
Mia Couto in Beco com saída - Revista mais
Maketo, "Abstract curves" Artwork
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