Passados anos, vários, depois da elaboração deste trabalho de Pós-Graduação e muitos mais, ainda, depois das publicações dos teóricos que o inspiraram, eis que a História se repete e que as questões então abordadas se voltam a colocar de forma dramática e inimaginável, ao tempo.
Tendo em conta a actualidade dos problemas focados e a assustadora semelhança com o momento que estamos a viver pareceu-me fazer sentido revisitar o Passado e publicar, agora e neste espaço, um excerto do mesmo.Variáveis constantes são o acentuado aumento do desemprego, a tendência crescente e generalizada para a precariedade da situação laboral, o avolumar de problemas de ordem socio-económica e familiar e o clima de emergência social para o qual, paulatinamente, temos vindo a ser arrastados.
"Uma nova questão social"
«(...)Citando van den Hoven, "...A partir de finais dos anos 70, o contexto social e político altera-se de novo drasticamente com a emergência das políticas neo-liberais. O mercado é inaltecido com as virtudes da liberdade individual, do direito à escolha, enquanto se advoga que a intervenção social do Estado, no que diz respeito à garantia da provisão colectiva e universal, tem de ser significativamente reduzida." Procurando sintetizar esta perspectiva, designada por “crise do Estado de Bem-Estar”, van Hoven refere Mayo e Robertson, para quem: "reduzir o Estado constituiu a peça-chave numa estratégia neo-liberal, promovendo o crescimento económico pelos mecanismos do mercado." O argumento era o de que o crescimento se disseminaria, beneficiando a população em geral. De acordo com esta perspectiva, programas de investimento público a interferir com o funcionamento do mercado prestavam um mau serviço aos pobres. Em última instância, argumentava-se, os pobres tinham mais a ganhar com uma economia saudável do que o que podiam esperar das prestações do Estado, que ainda tinham a desvantagem adicional de encorajar relações de dependência, pouco saudáveis.” (Mayo e Robertson, 2003:28. A este respeito, Castel, debruçando-se sobre os conceitos de «exclusão» e «precariedade», refere o preocupante aumento de indivíduos que, entretanto, foram engrossando o exército de “excluídos”, em meados dos anos 70 ( 6 ou 7 milhões, em França). Numa perspectiva crítica, aponta a obra de Lionel Stoleru, “ Vaincre la pauvreté dans les pays riches” (1974), que defendia a tese de que a competitividade económica repousava sobre a persistência das desigualdades. Simultânea e curiosamente, preconizava a implementação do «impôt négatif», uma ajuda económica prestada aos mais desfavorecidos (rendimento mínimo de sobrevivência) que, permitindo-lhes não sucumbir completamente, preveniria a hipótese de virem perturbar a eficácia do mercado com reivindicações igualitárias. Instalada a crise do "Estado de Bem-Estar”, facilmente se conclui, argumentando, ser a intervenção social dispendiosa.A reforçar esta tese o Serviço Social, encontrando-se em plena fase de desenvolvimento e expansão, começou a ser alvo de criticas e demandas administrativas de avaliação na sequência de denúncias, consistentes, relacionadas com a multiplicação de serviços, fragmentação e descoordenação das intervenções e sua consequente ineficácia. Impunha-se uma nova lógica assente em critérios tais como o rigor económico, a racionalidade tecnocrática e a eficácia técnica.
A "questão social" em causa, sendo um produto das, ao tempo, novas tendências Neo-Liberais, está directamente relacionada com o enfraquecimento da condição salarial. O significativo e crescente aumento de desempregados, a partir da década de 70 e a precarização do emprego, na sequência da nova “filosofia” empresarial – a flexibilidade (externa e interna), alimentando a vulnerabilidade social conduziram uma parte considerável da população à condição de “normais inúteis”(Donzelot, J.). "Começa a tornar-se claro que precarização do emprego e do desemprego se inseriram na dinâmica actual da modernização. São as consequências necessárias dos novos modos de estruturação do emprego, a sombra lançada pelas reestruturações industriais e pela luta em favor da competitividade... É a própria estrutura da relação salarial que está ameaçada de ser novamente questionada."(Castel, 1998:516) Entretanto, atingindo áreas de emprego estabilizadas há muito tempo, assiste-se a um irremediável processo de precarização que se reflecte na crescente «desestabilização dos estáveis» e consequente incremento dos supranumerários (“não-forças sociais”). Esta situação – a “nova questão social” – deu origem à proliferação de problemas sociais gravíssimos cujo impacto é, ainda hoje, difícil de avaliar. Perdida a identidade pelo trabalho, «grande integrador» (Barel), com todas as consequências que daí advêm, assiste-se a uma desqualificação individual, tanto a nível cívico como político.
É, assim, nesta conjuntura e a partir deste novo perfil de populações/grupos-problema, que surge a questão da inserção e a consequente necessidade de desenvolver políticas que possam, de alguma forma "ocupar-se dos válidos invalidados pela conjuntura"(Castel, 1998:559). Atendendo à complexidade das problemáticas envolvidas, as referidas “políticas de inserção” precisam, necessariamente, de inventar novas tecnologias de intervenção.»
Em entrevista ao Journal l´Humanité, publicada a 01/05/02 Castel, abordando a problemática do desemprego e da precariedade refere-se a esta última como sendo, "não apenas uma situação em que as pessoas têm falta de dinheiro mas, fundamentalmente, uma situação que condena aqueles que dela são vitimas a não terem a possibilidade de comandar o seu próprio futuro, nem poderem ter o sentimento de serem os condutores da sua existência."
Retomando uma expressão do séc.XIX, precariedade significa «viver o dia-a-dia», não estar à altura, não ser capaz de enfrentar, de forma positiva, o mundo no qual se encontra." (2002...)»
Imagens by Patrick Desmet (Be)
"Sadness"
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"Le Prisonnier"