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Portugal, Os Anos de Pesadelo e a eliminação de Feriados Nacionais (entre outras coisas)


Lígia Amâncio*
in Público, 05/10/2013
  
"O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente."

 « Depois do feriado nacional do dia da reunificação, a 3 de Outubro, sucede-se uma pausa na calendário escolar de algumas regiões da federação alemã que levou muitas famílias a rumar ao Sul da Europa para umas curtas férias (noutras regiões esta semana de pausa tem lugar no final de Outubro). Entre feriados nacionais e regionais mais as férias de Natal, Carnaval e Páscoa, os alemães têm vários momentos de descanso ao logo do ano que não deixam de aproveitar, como acontece em qualquer país.

Excepto em Portugal. Aqui, o Governo ficou muito encabulado por alguns portugueses terem escolhido a praia, para descansar e aproveitar o bom tempo de Junho, na altura em que a troika chegava a Lisboa, pela primeira vez, e decidiu então eliminar feriados para poder dizer aos seus mandantes: “Vejam como nós pomos na ordem este bando de calaceiros!”... E não teve pejo em assumir publicamente que a medida era necessária por uma questão de imagem. Não seria certamente por questões de produtividade, porque uma tal medida só pode ser desmotivadora e geradora de insatisfação no trabalho (como, aliás, mostram inquéritos recentes sobre a satisfação no trabalho), pois como a história das relações do trabalho mostrou, não é o trabalho como castigo, sujeito à repressão de capatazes cruéis, que contribui para o aumento da produtividade.

O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente, perante o estilo de governação a que estamos sujeitos. Cada medida que é anunciada faz-se acompanhar de um argumentário mais violento, inventa um novo bode expiatório e avança com mais um preconceito, numa espiral de ódio e desprezo pelas pessoas, desrespeito pelas instituições e irritação com a democracia. É a indolência dos que recebem rendimento mínimo, a riqueza dos aposentados da função pública, o abuso das viúvas que acumulam pensões, a preguiça dos desempregados.

Mas se as medidas se inscrevem coerentemente no anátema lançado sobre a população de que vivemos acima das nossas possibilidades, que temos que empobrecer, e num programa político concebido para a exportação dos recursos humanos mais bem qualificados do país, para a destruição da escola pública e das instituições científicas de excelência, o desmantelamento do Estado social, a suspensão da democracia e do Estado de direito, então para quê tal necessidade de acrescentar juízos morais?

Também não seria necessário estar sempre a desculpar-se com os outros: o anterior Governo, os credores, os mercados e a troika, essas entidades externas maquiavélicas que os obrigam a fazer tais maldades às pessoas. A subserviência e o desprezo pelo país não são exigência de ninguém, mas passam a fazer parte da equação quando os próprios dirigentes as interiorizam e transmitem na sua relação com o resto do mundo, de tal modo que desde o presidente da Comissão Europeia à senhora Christine Lagarde, todos se sentem no direito de dar ordens ao Tribunal Constitucional de Portugal (comentários que nunca seriam dirigidos às mesmas instâncias de outros países e muito menos ao Tribunal de Karlsruhe, apesar de tomar decisões referentes à Europa) e tratar a democracia portuguesa como uma excepção.

Ninguém obriga o próprio Governo a pressionar e atacar os órgãos de soberania, sempre de modo a que a sua voz seja bem ouvida no exterior, como aconteceu ainda no tempo do PEC IV. Ninguém o obriga a alimentar o ódio contra os pobres, os idosos, os reformados, os desempregados e os funcionários públicos. Não, ninguém obriga a nada disso, mas isso dá jeito quando se decide consciente e deliberadamente transformar esses grupos, e só esses, nos alvos dos tais credores, os eleitos para a resolução do défice, as vítimas inocentes de erros cometidos por outros indivíduos e instituições cujos interesses o Governo defende e protege, ao contrário do que jurou na sua tomada de posse.»

* Psicóloga social e professora catedrática do ISCTE

Portugal, os anos de Pesadelo e as Reflexões de uma Escritora (2014)


O meu país não é deste Presidente, nem deste Governo
Alexandra Lucas Coelho
08/04/2014

Discurso feito na sequência do prémio APE, que lhe foi atribuído pelo romance "E a Noite Roda"

«(...)Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do Governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o Governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “ total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”.

Este país é dos bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar. 

Eu estava no Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu Governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.

Este país é de todos esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura…»

Portugal, os anos de Pesadelo e o SNS (2013)


Esta carta foi publicada no jornal Público de 5ª feira, 10 de janeiro de 2013. A Profª Teresa Beleza é irmã de Leonor Beleza e Miguel Beleza.
"Carta a minha Mãe sobre o SNS e outras coisas em Portugal"
por Teresa Pizarro Beleza*

"Mãe, sabes que agora em Portugal mandam uns senhores que estão a dar cabo do Serviço Nacional de Saúde? E que dizem que é por causa de uma tal de troika, que agora manda neles? Lembras-te da "Lei Arnaut", que, segundo ele mesmo diz, tu redigiste, depois de muito pensares e estudares sobre o assunto, com a seriedade e o empenho que punhas em tudo o que fazias?

Lembras-te das nossas conversas sobre a necessidade de toda a gente em Portugal ter acesso a cuidados de saúde básicos de boa qualidade e de como essa possibilidade fizera em poucos anos baixar drasticamente a mortalidade materna e infantil, flagelos nacionais antigos, como uma das coisas boas que se tornaram realidade depois de 1974 e com a restauração da democracia?
Lembras-te de quando eu te dizia que eras tão mais socialista do que "eles", os do Partido Socialista, e tu te zangavas porque não era essa a tua imagem e a tua crença?

E quando eu te dizia que o ministro António Arnaut era maçon e tu não acreditavas, porque ele era (e é) um homem bom - e para ti a Maçonaria era a encarnação do Diabo...

Mãe, tu, que te dizias e julgavas convictamente monárquica, católica, miguelista, jurista cartesiana (isso era o que eu te dizia e que penso que eras, também), que conhecias a Bíblia e Teilhard de Chardin como ninguém e me ensinaste que Deus criara o homem e a mulher à Sua imagem, quando pronunciou o fiat, porque assim se diz no Génesis...

Tu que dizias que o problema dos economistas era que não tinham aprendido latim... e me tiravas as dúvidas de português e outras coisas, quando me não mandavas ir ao dicionário, como agora eu mando o meu Filho...

Tu que foste o meu "Google", às vezes renitente, quando este ainda não existia... Sabes que agora manda em Portugal gente ignorante e pacóvia, que nem se lembra já de como se vivia na pobreza e na doença, que julga que o Estado se deve retirar de tudo, incluindo da Saúde, e confunde a absoluta e premente necessidade de controlar e conter o imenso desperdício com a ideia de fechar portas, urgências claramente úteis social e geograficamente...
Sabes que fecharam o Serviço de Urgência e o excelente Serviço de Cardiologia do Hospital Curry Cabral sem sequer prevenirem ou consultarem o seu chefe? Onde irão agora todas aquelas pessoas tão claramente pobres, vulneráveis e humildes que tantas vezes lá encontrei e que não pareciam capazes de aprenderem outro caminho, outro destino, de encontrarem outros dedicados e pacientes "ouvidores"?

Sabes que um ministro qualquer disse que o edifício da Maternidade Alfredo da Costa não tinha qualquer interesse urbanístico ou arquitectónico, para além de condenar ao abate essa unidade de saúde, com limitações já evidentes, mas que tão importante foi para tanta gente humilde ter os seus filhos em segurança? Será mesmo que não a poderiam "refundar", como agora se diz? Ou quererão construir um condomínio fechado, luxuoso e kitsch, no meio de uma das minhas, das nossas cidades?
Lembras-te de me ires buscar à MAC quando nasceu o meu Filho e de como te contei da imensa dedicação do pessoal médico e de enfermagem e da clara sobre-representação de parturientes de origem social modesta, imigrantes, ciganas, ou simplesmente pobres?

Sabes que há muita gente que pensa que a iniciativa privada, incontrolada e à solta, é que vai salvar Portugal da bancarrota, e que ignora o sentido das palavras solidariedade, justiça, igualdade, compaixão?

Sabes, Mãe, eu lembro-me de ver pessoas que partiram de Portugal para o mundo em busca de trabalho e rendimento a viver em "casas" feitas de bocados de camioneta, de restos de madeira, de cartão e outros improváveis e etéreos materiais, emigrantes portugueses que foram parar ao bidonville em St Denis, nos arredores de Paris, num Inverno em que a temperatura desceu a 20 graus Celsius abaixo de zero (1970). Nas "paredes", havia toda a sorte de inscrições contra a guerra colonial e contra o regime que então reinava em Portugal.

O padre Zé, o nosso amigo da Mission Catholique Portugaise que me acompanhava e me quis mostrar o bairro, proibiu-me de falar português e de sair do carro enquanto ali passávamos... e aqui em Portugal eu vi tanta miséria envergonhada, homens de chapéu na mão a pedir emprego, mulheres e crianças a pedir esmola, apesar de todas as leis e medidas que o Estado Novo produziu para as esconder, como já fizera a Primeira República.

A pobreza e a vadiagem não se eliminam com Mitras e medidas de segurança, mas com produção e distribuição de riqueza e de justiça social. Com a promoção da igualdade e da solidariedade, como manda a Constituição.

E a Saúde, Mãe, que vão fazer dela? Da saúde dos pobres, dos velhos, das crianças, dos que não têm nem podem ter seguros de saúde de luxo, porque não têm dinheiro, porque já não têm idade, ou porque não têm saúde?
E as crianças, Mãe? Vão de novo morrer antes do tempo porque o parto foi solitário ou mal assistido, porque a saúde materno-infantil passou a ser de novo um bem reservado a alguns privilegiados, ou porque a "selecção natural" voltará a equilibrar a demografia em Portugal, recolhidas as mulheres a suas casas, desempregadas e de novo domesticadas, e perdida de novo a possibilidade de controlo sobre a sua própria fertilidade?

O planeamento familiar, que tu tão bem explicaste que deveria segundo a lei seguir a autonomia que o Código Civil reconhece na capacidade natural dos adolescentes - tu, católica, jurista, supostamente conservadora (assim te pensavas, às vezes?)...

Sabes que aqui há tempos ouvi uma jurista ignorante dizer em público que só aos 18 anos os jovens poderiam ir sozinhos a uma consulta de planeamento familiar, quando atingissem a maioridade, sem autorização de pai ou mãe? Ai, minha Mãe, como a ignorância é perigosa... Será que nos espera um qualquer Ceausescu ou equivalente, dado o progressivo estrangulamento político e social a que a necessidade económica e a cegueira política nos estão levando?

Os traços fascizantes que são visíveis na repressão da liberdade de expressão e de manifestação, em tudo tão contrários à Constituição da República, serão só impressão de uns "maníacos de esquerda", como dizem umas pessoas que há tão pouco tempo garantiam que essa coisa de esquerda e direita era coisa do passado?

Mas as crianças são o futuro, Mãe, que será deste país sem elas, sem a sua saúde e sem a sua educação, sem o seu bem-estar, sem a sua alegria? Eu lembro-me tão bem dos miúdos descalços e ranhosos nas ruas da minha infância... e da luta legal, tão recente ainda, quem sabe se perdida, contra o trabalho clandestino, ilegal e infame das crianças a coserem sapatos em casa, a faltarem à escola, a ajudarem as famílias, ainda há tão pouco tempo, ou dos miuditos com carregos e encargos maiores que eles, à semelhança das mulheres da carqueja a subirem aquela rampa infame que Helder Pacheco, o poeta-guia do nosso Porto, tão bem descreve...

"Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!... Porque padecem assim?!..."
Mãe, se agora cá voltasses, ao mundo dos vivos, acho que terias uma desilusão terrível. Melhor que não vejas o que estão fazendo do nosso pobre país.
Da tua Filha, com muita saudade,

Maria Teresa"
Ericeira, Portugal, Europa, dia 31 de Dezembro de 2012

* Professora de Direito Penal, directora da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa. tpb@fd.unl.p

Em tempo de rentrée política e em pleno período de campanha eleitoral convém relembrar,  não só o que se passou nesta fase tenebrosa da vida do país como, também, aquilo que foi dito e ficou registado.



"The TRUTH About Ngozi Fulani: Meghan Markle's ...", uma perspectiva a considerar

  Uma análise de conteúdo inteligente, clara e desmistificadora do que pode ter acontecido e, provavelmente, aconteceu.