Em busca do equilíbrio entre a constância e "certezas" do Passado e a fluidez e contingências do Presente.
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Portugal, Os Anos de Pesadelo e a eliminação de Feriados Nacionais (entre outras coisas)
Lígia Amâncio*
in Público, 05/10/2013
"O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente."
« Depois do feriado nacional do dia da reunificação, a 3 de Outubro, sucede-se uma pausa na calendário escolar de algumas regiões da federação alemã que levou muitas famílias a rumar ao Sul da Europa para umas curtas férias (noutras regiões esta semana de pausa tem lugar no final de Outubro). Entre feriados nacionais e regionais mais as férias de Natal, Carnaval e Páscoa, os alemães têm vários momentos de descanso ao logo do ano que não deixam de aproveitar, como acontece em qualquer país.
Excepto em Portugal. Aqui, o Governo ficou muito encabulado por alguns portugueses terem escolhido a praia, para descansar e aproveitar o bom tempo de Junho, na altura em que a troika chegava a Lisboa, pela primeira vez, e decidiu então eliminar feriados para poder dizer aos seus mandantes: “Vejam como nós pomos na ordem este bando de calaceiros!”... E não teve pejo em assumir publicamente que a medida era necessária por uma questão de imagem. Não seria certamente por questões de produtividade, porque uma tal medida só pode ser desmotivadora e geradora de insatisfação no trabalho (como, aliás, mostram inquéritos recentes sobre a satisfação no trabalho), pois como a história das relações do trabalho mostrou, não é o trabalho como castigo, sujeito à repressão de capatazes cruéis, que contribui para o aumento da produtividade.
O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente, perante o estilo de governação a que estamos sujeitos. Cada medida que é anunciada faz-se acompanhar de um argumentário mais violento, inventa um novo bode expiatório e avança com mais um preconceito, numa espiral de ódio e desprezo pelas pessoas, desrespeito pelas instituições e irritação com a democracia. É a indolência dos que recebem rendimento mínimo, a riqueza dos aposentados da função pública, o abuso das viúvas que acumulam pensões, a preguiça dos desempregados.
Mas se as medidas se inscrevem coerentemente no anátema lançado sobre a população de que vivemos acima das nossas possibilidades, que temos que empobrecer, e num programa político concebido para a exportação dos recursos humanos mais bem qualificados do país, para a destruição da escola pública e das instituições científicas de excelência, o desmantelamento do Estado social, a suspensão da democracia e do Estado de direito, então para quê tal necessidade de acrescentar juízos morais?
Também não seria necessário estar sempre a desculpar-se com os outros: o anterior Governo, os credores, os mercados e a troika, essas entidades externas maquiavélicas que os obrigam a fazer tais maldades às pessoas. A subserviência e o desprezo pelo país não são exigência de ninguém, mas passam a fazer parte da equação quando os próprios dirigentes as interiorizam e transmitem na sua relação com o resto do mundo, de tal modo que desde o presidente da Comissão Europeia à senhora Christine Lagarde, todos se sentem no direito de dar ordens ao Tribunal Constitucional de Portugal (comentários que nunca seriam dirigidos às mesmas instâncias de outros países e muito menos ao Tribunal de Karlsruhe, apesar de tomar decisões referentes à Europa) e tratar a democracia portuguesa como uma excepção.
Ninguém obriga o próprio Governo a pressionar e atacar os órgãos de soberania, sempre de modo a que a sua voz seja bem ouvida no exterior, como aconteceu ainda no tempo do PEC IV. Ninguém o obriga a alimentar o ódio contra os pobres, os idosos, os reformados, os desempregados e os funcionários públicos. Não, ninguém obriga a nada disso, mas isso dá jeito quando se decide consciente e deliberadamente transformar esses grupos, e só esses, nos alvos dos tais credores, os eleitos para a resolução do défice, as vítimas inocentes de erros cometidos por outros indivíduos e instituições cujos interesses o Governo defende e protege, ao contrário do que jurou na sua tomada de posse.»
* Psicóloga social e professora catedrática do ISCTE
"La Enfermedad del Clientelismo", El País (2013)
"(...)El clientelismo es, no nos engañemos, una variante o sucedáneo de la corrupción. Es una forma de organización social que se salta las fronteras geográficas, llamado rousfeti en Grecia y de la misma forma en Italia y Portugal, y une en un mismo destino a los países del sur de Europa y a los latinoamericanos. La principal consecuencia que el clientelismo tiene en la vida de los ciudadanos es que el acceso a determinados recursos es controlado por una serie de patrones, cuya condición viene determinada por tratarse de políticos, detentadores de poder económico o ambas cosas a la vez, que reparten dádivas a sus clientes a cambio de su apoyo.
Es un fenómeno social con raíces profundas en nuestro país, heredado de los tiempos feudales en que una mayoría de la población campesina dependía de los latifundistas.
La longevidad del fenómeno clientelista en una sociedad como la española solo puede explicarse como una carencia de capital social (usando el término del sociólogo francés Pierre Bourdieu, referido a la suma de los recursos con los que cuenta cada individuo en virtud de sus relaciones personales) de una mayoría de la población que carece de acceso a los centros de poder mediante un mercado libre, unas instituciones políticas representativas o un sistema legal igual para todos.
Al individuo sin capital social no le queda más remedio que conectarse a redes de influencia buscando un atajo que le permita saltarse las barreras sociales. Este atajo puede consistir en entrar a formar parte de un partido político o, si se ofrece la posibilidad, aprovechar las conexiones familiares que uno tiene a mano..."
"(...)En las sociedades regidas por una lógica clientelista los niveles de protesta tienden a ser más bien escasos. El individuo acepta las situaciones injustas, tiende a desconfiar del Estado y de las instituciones y a buscar la solución individual renunciando a la lógica, la racionalidad o la aplicación de las leyes. La lógica clientelista salpica a la sociedad en su conjunto y no solamente a los políticos o los empresarios..."
"(...)Lo cierto es que la vida de las empresas y cualquier organización en nuestra sociedad depende en gran medida de sus relaciones con el Gobierno o los partidos políticos que han asumido muchas de las funciones de los patrones individuales en el pasado. De hecho, los partidos políticos que, no olvidemos, se financian en buena parte con el dinero de los ciudadanos, son la piedra angular del clientelismo. No dejan de ser el equivalente contemporáneo, en términos de movilidad social, de lo que era el clero y la milicia en tiempos pasados al estar en muchos casos integrados por personas de escasa formación que ven en la política una posibilidad de progreso social en ausencia de otro tipo de méritos..."
"(...)El viejo sueño de que la pertenencia a Europa impondría unos estándares en los que regiría la razón y la legalidad en nuestra sociedad parece haberse desvanecido. Ni siquiera la dictadura de la eficacia que parecía traer aparejada la globalización ha logrado alterar el sistema de relaciones que rige en nuestras instituciones. Desafortunadamente, como afirma el politólogo italiano Caciagli, el clientelismo tiene raíces profundas. Implica “un lenguaje, unos ritos, unos valores y símbolos, pautas de comportamiento y redes de relaciones aceptadas por una comunidad que comparte una mentalidad”. Se adapta bien a la mentalidad posmoderna siempre en búsqueda de soluciones flexibles orientadas a satisfacer las necesidades individuales, al declive de las ideologías, a la fuerza de lo local y a la personalización de la política. El cerrojo está bien echado y sus beneficiarios lo saben."
*profesor en la Universidad Pública del Estado de Washington
Portugal, Os Anos de Pesadelo e a Intervenção da Troika (2013)
Áurea Sampaio, "Julgamento"
in Visão, 13 de Junho de 2013
«Devia haver um tribunal para avaliar e julgar o que está a acontecer nos países sujeitos à intervenção da troika. É evidente que não há bombas a cair dos céus, nem o silêncio letal das armas químicas e muito menos ataques dos drones, esses serial killers da guerra contemporânea, mas a destruição brutal do tecido produtivo e as consequências sociais são de tal forma devastadoras que não andaremos muito longe do impacto de uma guerra tradicional. Um impacto que, em muitos aspetos, só será recuperável em mais do que uma geração e de que, em outros, jamais recuperaremos, como é o caso de tanta gente altamente qualificada que parte para fazer crescer outros países onde há emprego e esperança no futuro. São as nossas baixas neste combate inglório, onde o que tem importado são os números, a cupidez e a falta de escrúpulos - nunca as pessoas. Vivemos dias de guerra na Europa, não de uma guerra convencional, mas de uma guerra económica na qual, como em todas as outras, os mais fortes não têm qualquer remorso em esmagar os mais fracos. Não há mortos, há milhões de desempregados; não há feridos, mas há cada vez mais dependentes de ansiolíticos, doente de stresse e de angústia; não há perda de infraestruturas, mas falta o dinheiro para as reparar... e começa a haver racionamento nos serviços públicos e faltas nas lojas. Há muito sofrimento por toda a parte e perda definitiva de património de quem trabalhou toda a vida para ter a casa ou o negócio. Nada disto devia ficar impune e daí a importância de um tribunal. Uma espécie de TPI (Tribunal Penal Internacional) capaz de pesar a qualidade da intervenção dos credores. Se foi proporcionada, se atuou no timing certo, se aplicou os meios adequados, se previu as consequências e quem são os responsáveis.
Vem isto a propósito de um documento em que o FMI reconhece "falhas notáveis" na aplicação do programa da Grécia e que é mais uma peça do puzzle que nos vai dando o quadro de negligência em que o Fundo, mais o BCE e a Comissão Europeia atuaram. Já tinha havido o erro detetado no trabalho dos economistas em que se baseou o modelo aplicado aos países sob assistência financeira; já se percebeu que houve desentendimentos entre grandes países, por um lado, e membros da troika, por outro, que tiveram consequências gravíssimas para os diversos povos; já é claro que atrasos na inversão atempada de certas políticas, como a urgência da reestruturação da dívida grega, foram propositados, originando benefício para os credores privados (bancos e fundos de investimento) e prejuízo para os chamados credores oficiais (Estados e contribuintes); e, no caso específico português, ficou recentemente a saber-se que o País poderia estar a resolver os seus problemas de défice e de excesso de dívida sem recorrer à intervenção externa e que esta se concretizou por pressão do PSD e do CDS, com um "aprendiz de feiticeiro" à cabeça - o primeiro-ministro -, nas palavras de António Lobo Xavier. Espanha resistiu a transformar-se num protetorado submisso e aí está mantendo o essencial da sua autonomia, batendo o pé a qualquer tentativa de humilhação. E não se trata apenas de uma questão de escala no contexto europeu, embora a dimensão seja importante. Trata-se, sobretudo, de orgulho e caráter "Um rei fraco faz fraca a forte gente", dizia Camões. E como continua a ter razão o poeta! É também por isso que, neste processo, ninguém devia ficar impune.»
Portugal, os anos de Pesadelo e a Ausência de Estratégias de Crescimento III
Nicolau Santos,
Expresso, 02.12.2012
"A maioria parlamentar aprovou terça-feira o mais estúpido Orçamento do Estado que Portugal alguma vez conheceu.
É estúpido porque parte de um quadro macroeconómico completamente irrealista, com base numa recessão prevista de 1 por cento, quando no mesmo dia a OCDE apontou para -1,8% e todas as previsões conhecidas, nacionais e internacionais, se fixam claramente acima do valor definido pelo Governo e pela troika.
É estúpido porque o défice do próximo ano não será cumprido, assim como não foi o deste ano, já que parte de pressupostos que não se vão verificar.
É estúpido porque insiste no caminho de um fortissimo aumento de impostos para tentar alcançar o défice quando o resultado final será a devastação da economia e a correspondente quebra de receitas fiscais, gerando a necessidade de voltar a aumentar impostos para atingir o défice e aprofundando ainda mais a recessão.
É estúpido porque as expectativas de cumprimento deste orçamento são nulas - e isso é mais um passo para ele não ser cumprido.
É estúpido porque insiste no caminho de um fortissimo aumento de impostos para tentar alcançar o défice quando o resultado final será a devastação da economia e a correspondente quebra de receitas fiscais, gerando a necessidade de voltar a aumentar impostos para atingir o défice e aprofundando ainda mais a recessão.
É estúpido porque as expectativas de cumprimento deste orçamento são nulas - e isso é mais um passo para ele não ser cumprido.
É estúpido ainda porque não aproveita as janelas abertas pelos responsáveis do FMI para aliviar a carga fiscal e as metas do défice.
E é estúpido porque depois da decisão do Eurogrupo sobre a Grécia se tornou claro que a própria troika começa agora a admitir que este caminho de austeridade sobre austeridade não conduz ao paraíso mas ao inferno e é contrário aos objetivos que pretende atingir.
E é estúpido porque depois da decisão do Eurogrupo sobre a Grécia se tornou claro que a própria troika começa agora a admitir que este caminho de austeridade sobre austeridade não conduz ao paraíso mas ao inferno e é contrário aos objetivos que pretende atingir.
Este orçamento é um nado-morto, que será alvo de remendos ao longo do ano. É um orçamento contra os contribuintes, que estimula a economia paralela, a fuga e a evasão fiscal devido à injustissima carga fiscal que lança sobre os contribuintes. É um orçamento contra a economia. E é um orçamento estúpido porque nos conduz a um abismo económico - mas apesar dos avisos e dos alertas, insiste em caminhar nesse sentido.
Verdadeiramente, este orçamento não merece vir a conhecer a luz do dia. Não merece entrar em vigor. E os contribuintes portugueses estão muito longe de merecer o flagelo fiscal que este orçamento lhes quer impor."
Portugal, os anos de Pesadelo e as Reflexões de uma Escritora (2014)
Alexandra Lucas Coelho
08/04/2014
«(...)Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do Governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o Governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “ total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”.
Este país é dos bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu Governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.
Portugal, os anos de Pesadelo e o SNS (2013)
Esta carta foi publicada no jornal Público de 5ª feira, 10 de janeiro de 2013. A Profª Teresa Beleza é irmã de Leonor Beleza e Miguel Beleza.
"Carta a minha Mãe sobre o SNS e outras coisas em Portugal"
por Teresa Pizarro Beleza*
"Mãe, sabes que agora em Portugal mandam uns senhores que estão a dar cabo do Serviço Nacional de Saúde? E que dizem que é por causa de uma tal de troika, que agora manda neles? Lembras-te da "Lei Arnaut", que, segundo ele mesmo diz, tu redigiste, depois de muito pensares e estudares sobre o assunto, com a seriedade e o empenho que punhas em tudo o que fazias?
Lembras-te de quando eu te dizia que eras tão mais socialista do que "eles", os do Partido Socialista, e tu te zangavas porque não era essa a tua imagem e a tua crença?
E quando eu te dizia que o ministro António Arnaut era maçon e tu não acreditavas, porque ele era (e é) um homem bom - e para ti a Maçonaria era a encarnação do Diabo...
Mãe, tu, que te dizias e julgavas convictamente monárquica, católica, miguelista, jurista cartesiana (isso era o que eu te dizia e que penso que eras, também), que conhecias a Bíblia e Teilhard de Chardin como ninguém e me ensinaste que Deus criara o homem e a mulher à Sua imagem, quando pronunciou o fiat, porque assim se diz no Génesis...
Tu que dizias que o problema dos economistas era que não tinham aprendido latim... e me tiravas as dúvidas de português e outras coisas, quando me não mandavas ir ao dicionário, como agora eu mando o meu Filho...
Sabes que fecharam o Serviço de Urgência e o excelente Serviço de Cardiologia do Hospital Curry Cabral sem sequer prevenirem ou consultarem o seu chefe? Onde irão agora todas aquelas pessoas tão claramente pobres, vulneráveis e humildes que tantas vezes lá encontrei e que não pareciam capazes de aprenderem outro caminho, outro destino, de encontrarem outros dedicados e pacientes "ouvidores"?
Lembras-te de me ires buscar à MAC quando nasceu o meu Filho e de como te contei da imensa dedicação do pessoal médico e de enfermagem e da clara sobre-representação de parturientes de origem social modesta, imigrantes, ciganas, ou simplesmente pobres?
Sabes que há muita gente que pensa que a iniciativa privada, incontrolada e à solta, é que vai salvar Portugal da bancarrota, e que ignora o sentido das palavras solidariedade, justiça, igualdade, compaixão?
Sabes, Mãe, eu lembro-me de ver pessoas que partiram de Portugal para o mundo em busca de trabalho e rendimento a viver em "casas" feitas de bocados de camioneta, de restos de madeira, de cartão e outros improváveis e etéreos materiais, emigrantes portugueses que foram parar ao bidonville em St Denis, nos arredores de Paris, num Inverno em que a temperatura desceu a 20 graus Celsius abaixo de zero (1970). Nas "paredes", havia toda a sorte de inscrições contra a guerra colonial e contra o regime que então reinava em Portugal.
O padre Zé, o nosso amigo da Mission Catholique Portugaise que me acompanhava e me quis mostrar o bairro, proibiu-me de falar português e de sair do carro enquanto ali passávamos... e aqui em Portugal eu vi tanta miséria envergonhada, homens de chapéu na mão a pedir emprego, mulheres e crianças a pedir esmola, apesar de todas as leis e medidas que o Estado Novo produziu para as esconder, como já fizera a Primeira República.
A pobreza e a vadiagem não se eliminam com Mitras e medidas de segurança, mas com produção e distribuição de riqueza e de justiça social. Com a promoção da igualdade e da solidariedade, como manda a Constituição.
E as crianças, Mãe? Vão de novo morrer antes do tempo porque o parto foi solitário ou mal assistido, porque a saúde materno-infantil passou a ser de novo um bem reservado a alguns privilegiados, ou porque a "selecção natural" voltará a equilibrar a demografia em Portugal, recolhidas as mulheres a suas casas, desempregadas e de novo domesticadas, e perdida de novo a possibilidade de controlo sobre a sua própria fertilidade?
O planeamento familiar, que tu tão bem explicaste que deveria segundo a lei seguir a autonomia que o Código Civil reconhece na capacidade natural dos adolescentes - tu, católica, jurista, supostamente conservadora (assim te pensavas, às vezes?)...
Sabes que aqui há tempos ouvi uma jurista ignorante dizer em público que só aos 18 anos os jovens poderiam ir sozinhos a uma consulta de planeamento familiar, quando atingissem a maioridade, sem autorização de pai ou mãe? Ai, minha Mãe, como a ignorância é perigosa... Será que nos espera um qualquer Ceausescu ou equivalente, dado o progressivo estrangulamento político e social a que a necessidade económica e a cegueira política nos estão levando?
Os traços fascizantes que são visíveis na repressão da liberdade de expressão e de manifestação, em tudo tão contrários à Constituição da República, serão só impressão de uns "maníacos de esquerda", como dizem umas pessoas que há tão pouco tempo garantiam que essa coisa de esquerda e direita era coisa do passado?
Mas as crianças são o futuro, Mãe, que será deste país sem elas, sem a sua saúde e sem a sua educação, sem o seu bem-estar, sem a sua alegria? Eu lembro-me tão bem dos miúdos descalços e ranhosos nas ruas da minha infância... e da luta legal, tão recente ainda, quem sabe se perdida, contra o trabalho clandestino, ilegal e infame das crianças a coserem sapatos em casa, a faltarem à escola, a ajudarem as famílias, ainda há tão pouco tempo, ou dos miuditos com carregos e encargos maiores que eles, à semelhança das mulheres da carqueja a subirem aquela rampa infame que Helder Pacheco, o poeta-guia do nosso Porto, tão bem descreve...
Mãe, se agora cá voltasses, ao mundo dos vivos, acho que terias uma desilusão terrível. Melhor que não vejas o que estão fazendo do nosso pobre país.
Da tua Filha, com muita saudade,
Maria Teresa"
Ericeira, Portugal, Europa, dia 31 de Dezembro de 2012
* Professora de Direito Penal, directora da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa. tpb@fd.unl.p
Em tempo de rentrée política e em pleno período de campanha eleitoral convém relembrar, não só o que se passou nesta fase tenebrosa da vida do país como, também, aquilo que foi dito e ficou registado.
Ronald Coase, "Defender a Economia dos economistas" (2012)
Institute for New Economic Thinking
«A Economia, tal como é actualmente apresentada em livros didácticos e ensinada na sala de aula não tem muito a ver com a gestão de negócios, e ainda menos com o empreendedorismo. É extraordinário e muito infeliz o nível em que a Economia se encontra isolada da actividade económica do dia-a-dia.
Não aconteceu o mesmo no passado. Quando a economia moderna nasceu, Adam Smith imaginou-a como um estudo da "natureza e causas da riqueza das nações."
A sua obra de excelência, "A Riqueza das Nações", foi amplamente lida por homens de negócios, apesar de Smith os ter depreciado de forma aberta e sem rodeios pela sua ganância, falta de visão estratégica e outros defeitos. O livro também provocou e orientou debates entre os políticos relacionados com o comércio e outras políticas económicas. Naquele tempo a comunidade académica era pequena e os economistas tiveram que apelar a um público mais amplo. Também no virar do séc: XX, Alfred Marshall conseguiu manter a economia como, simultâneamente, “um estudo sobre a prosperidade e um ramo do estudo do homem.” A Economia permaneceu relevante para os industriais.
No séc. XX, a economia consolidou-se enquanto profissão; os economistas puderam permitir-se escrever, exclusivamente, uns para os outros. Simultâneamente,esta área sofreu uma mudança de paradigma identificando-se, gradualmente, com uma abordagem teórica da economia (economização/poupança?) e desistindo da economia real enquanto seu objecto de estudo.
Actualmente, a produção é marginalizada na economia e a questão paradigmática centra-se, de forma bastante estática, na distribuição de recursos. Os instrumentos utilizados pelos economistas para analisar as empresas são demasiado abstractos e especulativos no sentido de poderem oferecer qualquer orientação a empresários e gestores, na sua luta constante para oferecer novos produtos aos consumidores a um baixo custo.
Este divórcio entre a economia e a economia do trabalho (produtiva) danificou, severamente, tanto a comunidade empresarial como a disciplina académica. Uma vez que a economia pouco oferece em termos de conhecimentos práticos, tanto os gestores como os empresários dependem, exclusivamente, da sua própria visão de negócios, juízo individual, e regras de ouro na tomada de decisões.
Em tempos de crise, quando os líderes nos negócios perdem a sua auto-confiança associam-se, com frequência, ao poder político para preencher eventuais lacunas. Os governos (poder político) são cada vez mais encarados como a solução final para os difíceis problemas económicos, desde a inovação ao emprego.
A Economia torna-se, assim, num conveniente instrumento usado pelo Estado para fazer a sua gestão económica, em vez de ser um instrumento dirigido ao público no sentido de obter esclarecimentos sobre o modo de funcionamento da mesma. Mas, porque já não está solidamente fundamentada na investigação empírica sistemática do funcionamento da economia,torna-se uma tarefa difícil.
Durante a maior parte da história da humanidade, as famílias e tribos viviam essencialmente da sua própria economia de subsistência; as ligações entre si e o mundo exterior eram ténues e intermitentes. Tudo mudou completamente com a ascensão da sociedade comercial. Hoje, uma economia de mercado moderna, com a sua cada vez mais sofisticada divisão do trabalho, depende de uma rede de negócios constantemente em expansão. Requer uma intrincada teia de instituições sociais para coordenar o funcionamento dos mercados e empresas acima de certos limites.Numa altura em que a economia moderna se está a tornar cada vez mais concentrada em instituições, a redução da Economia à teoria dos preços é muito preocupante. É um suícídio para a disciplina deslizar para a dífícil ciência da escolha, ignorando as influências da sociedade, história, cultura e política, no funcionamento da economia.
É tempo de preencher a severamente empobrecida área da economia com ciência económica.
As economias de mercado que surgem da China, Índia, África e qualquer outro lugar anunciam uma nova era de empreendedorismo e, com ela, oportunidades sem precedência, para os economistas estudarem como a economia de mercado resiste em sociedades com culturas, instituições e organizações tão diversas e diversificadas.
Mas só haverá conhecimento se a economia for reorientada para o estudo do homem tal como é e do sistema económico tal como existe actualmente.»
Dez./2012
Ronald Coase is a Nobel laureate in economics and a professor emeritus at the University of Chicago Law School. He is launching a new journal, Man and the Economy, with Ning Wang of Arizona State University, who contributed to this column.
Tradução e adaptação
Maria Abreu
Arquivo de Opinião, O capitalismo do Ego
Acabo por chegar à conclusão de que, apesar de já terem alguns anos, muitos dos artigos de opinião que fui guardando, pela pertinência que neles via, se mantêm de uma actualidade quase perturbardora, tendo em atenção o tempo entretanto decorrido.
Muito embora tendo em atenção o facto de terem sido produzidos por reputados académicos, continuam a não deixar de surpreender tal a acutilância das análises dos temas sobre os quais se debruçam.
Este é um artigo de Opinião publicado no EL PAÍS a 25 Feb 2013, de Ulrick Beck, Sociólogo e Professor na LSE e Universidade de Harvard.
El capitalismo del ego engendra monstruos
ULRICH BECK
"Nadie cree ya en nada, solo en lo que cada uno quiere: de ahí se deriva la desconfianza de todos frente a todos. La ceguera del Fausto digital ha dado origen a una crisis europea que cuestiona el núcleo del sistema"
«Sobre el homo oeconomicus,la ideología neoclásica o neoliberal está todo dicho, si bien no por parte de todos. Ya el poeta favorito de Alemania, Goethe, predijo en 1832 en su drama Fausto el dominio universal del dinero… ¡Y en verso! Sin embargo, a comienzos del siglo XXI tenemos que añadir algo esencial, nuevo y original: el Fausto digital, o más exactamente: el atrevimiento y ceguera fáusticos del capitalismo del ego...»
«(...)Nadie cree ya en nada, solo en lo que uno quiere. De ahí se deriva la desconfianza de todos frente a todos, de la que el mal se alimenta en todas partes. Aquí tenemos la paradoja: en un momento histórico en el que las instituciones del Estado de bienestar, los mercados financieros y la relación con el entorno natural sufren una crisis fundamental, surgen las “egomónadas”. Su funcionalidad no solo estriba en ocultar frente a otros las consecuencias de la propia acción. Más bien han de interpretarse como estrategias de evitación del riesgo en un mundo de riesgos globales: como una sociopatología del capitalismo del ego...»
«(...)Ante nosotros se abre el nuevo mundo de la manipulación digital del alma. Innumerables agentes digitales, con frecuencia completamente estúpidos, están tan fascinados con sus ideas que no se dan cuenta en absoluto de cómo, a partir de los ingredientes de egoísmo, codicia y capacidad de engañar, surgen monstruos. Entre ellos, monstruos políticos. La política de ahorro con la que Europa responde en este momento a la crisis financiera desencadenada por los bancos es percibida por los ciudadanos como una monstruosa injusticia. Son ellos quienes tienen que pagar con la moneda contante de su existencia por la ligereza con la que los bancos han pulverizado sumas inimaginables. Sin embargo, quienes se dedican a entender al capital, los hermeneutas de los monstruos, han desarrollado un lenguaje curiosamente terapéutico. Los mercados son “tímidos” como cervatos, afirman. No se dejan “engañar”. Pero los verdugos económicos, denominados “agencias de calificación de riesgos”, que también rinden tributo a la religión terrenal de la maximización del beneficio, basándose en las leyes del capitalismo del ego emiten juicios que alcanzan a Estados enteros en el corazón de su ser económico: a Italia, España o Grecia.
«Los riesgos globales son una especie de recordatorio colectivo forzoso de que el potencial de aniquilación al que nos hemos expuesto incluye nuestras decisiones y nuestros errores. Estas impregnan todos los ámbitos de la vida, pero al mismo tiempo abren nuevas oportunidades de transformación del mundo. Es la paradoja en virtud de la cual los riesgos globales dan aliento a la acción. En ello estriba la opción europea: plantear sistemáticamente la pregunta de qué alternativas hay al capitalismo digital del ego. La pregunta de cómo, mediante una Europa distinta, es posible más libertad, más seguridad social y más democracia.»
*sociólogo y profesor de la London School of Economics y de la Universidad de Harvard.
Arquivo de Opinião: A propósito do clientelismo
Na senda do exercício de recolha, seleção e divulgação de conteúdos escritos que foram alvo da minha atenção ao longo dos anos e olhando de relance para o arquivo de artigos de opinião que fui publicando e guardando noutros espaços que não este, apeteceu-me "repostar" este artigo publicado no jornal "El País", em 28.03.2013.
E a razão é tão simples como transparente:
há comportamentos sociais e hábitos culturais que nem os anos, nem as fronteiras (pelo menos no que diz respeito à latinidade dos países envolvidos) conseguem esbater ou alterar, mudando mentalidades e vícios culturais perniciosos para a saúde das sociedades com aspirações democráticas.
"En sociedades com frágiles mecanismos democráticos, al individuo sin capital social no le queda más remedio que conectarse a redes de influencia buscando atajos para superar sus carencias. Y se impone la corrupción."
"El viejo sueño de que la pertenencia a Europa impondría unos estándares en los que regiría la razón y la legalidad en nuestra sociedad parece haberse desvanecido. Ni siquiera la dictadura de la eficacia que parecía traer aparejada la globalización ha logrado alterar el sistema de relaciones que rige en nuestras instituciones. Desafortunadamente, como afirma el politólogo italiano Caciagli, el clientelismo tiene raíces profundas. Implica “un lenguaje, unos ritos, unos valores y símbolos, pautas de comportamiento y redes de relaciones aceptadas por una comunidad que comparte una mentalidad”. Se adapta bien a la mentalidad posmoderna siempre en búsqueda de soluciones flexibles orientadas a satisfacer las necesidades individuales, al declive de las ideologías, a la fuerza de lo local y a la personalización de la política. El cerrojo está bien echado y sus beneficiarios lo saben."
*profesor en la Universidad Pública del Estado de Washington
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